CHAMADAS DE VÍDEO

Padrão

Ainda não tivemos tempo de falarmos exatamente o ponto em que um se sentiu de verdade conectado com o outro. Os dias de conversas foram rolando, nada leves como geralmente são os inícios de uma paquera. Foram confissões de passagens problemáticas, depois algumas brincadeiras e tiradas marotas.

Ah e silêncios rápidos com olhares fixos na câmera do celular. Arrepios na espinha impulsionado pela fantasia da proximidade. A tecnologia tentando ventilar o calor do tesão, o qual se impõe e cava por si mesmo uma intimidade que aos olhos alheios seria precoce. Não para nós. Somos dramaturgos, diretores e atores de nossa própria peça teatral em busca do palco para os variados atos que escrevemos.

A despedida vem com o tchau arrastado, o momento indesejado que afinal sempre chega. Não vem é a hora de nos vermos pessoalmente. O quase encontro teve de ser remanejado, pois a maturidade tem as suas intercorrências, um contexto de árvore adulta sob o vento que sopra com o apelo da juventude.

Em uma cena para Fernando Pessoa gargalhar com cara de eu sempre tive razão, nossos corpos quentes e com urgência de presença nos leva a aproximar nossas bocas no celular em um beijo imaginário. Rimos pelo ridículo e proponho “agora de língua”. Em você encontro abertura para a bobagem que enseja a cumplicidade das relações, alegre como as bandeirinhas de festa de São João.

Todas as chamadas de vídeo são ridículas. Não seriam chamadas de vídeo se não fossem ridículas.

Deixe um comentário